O consumo do crack, muitas vezes, é apenas um sintoma do abandono e da exclusão socioeconômica em que muitas pessoas se encontram, segundo revela a psicóloga Luciane Marques Raupp, em estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. A pesquisa se concentrou durante seis meses na região da Cracolândia, em São Paulo, e mais um ano em diversas regiões de Porto Alegre.
Segundo Luciane, “a droga não é só um problema de saúde. Também é um problema social, econômico e de segurança pública, por isso, exige ações integradas que envolvam estas áreas”. “Atualmente, se usa repressão e curtas internações, o que raramente funciona”, afirma.
De acordo com a especialista, estas ações devem abordar áreas que trabalhem em conjunto para reabilitar o usuário e reinseri-lo na sociedade, oferecendo aos dependentes que estão na, rua moradia, orientação profissional, acompanhamento médico e psicológico.
O estudo fundamentou-se em entrevistas informais e observação de participante em locais de intenso movimento de venda e uso da droga na região central das capitais paulista e gaúcha. Empregando o método etnográfico, que tem por premissa uma imersão no campo de pesquisa, Luciane buscou interagir com os entrevistados durante um longo período de tempo, em momentos de socialização e uso de drogas dos mesmos. A iniciativa visa descrever os circuitos onde viviam e interagiam os pesquisados, seu perfil, padrões de sociabilidade e a relação entre uso de narcóticos, autocuidado e autocontrole.
Após as entrevistas, os dados eram transcritos para um diário de campo. A análise dos dados sugere uma estreita relação entre o contexto social dos usuários e seu padrão de uso de crack. Segundo o estudo, a grande maioria dos dependentes das regiões estudadas estava morando nas ruas e apresentavam um padrão de uso compulsivo da droga, ou seja, deixavam em segundo plano o próprio cuidado ou quaisquer outras atividades frente ao consumo frenético.
Cotidiano dos usuários
A maioria dos dependentes que participou do estudo estava “em trânsito pela rua”. Ou seja, vagam pela cidade e se entregam ao consumo do crack, porém, quando conseguem um emprego ou retomam vínculos sociais, saem das ruas e diminuem o consumo. Contudo, quaisquer reviravoltas fazem-nos retornar à velha prática destrutiva.
Enquanto estão sob consumo intenso da droga, os usuários dividem seu tempo entre atividades de sobrevivência e de captação de dinheiro para a compra do narcótico. Após o consumo, eles retomam o ciclo.
Cracolândia
Diferentemente de Porto Alegre, onde o tempo de pesquisa foi maior devido à necessidade de inserção e descoberta dos circuitos, em São Paulo, a pesquisa se concentrou na Cracolândia.
Com o apoio da ONG “É de Lei”, formada por agentes de redução de danos, a pesquisadora conseguiu abordar com mais facilidade os viciados em crack. “Devido ao tipo de trabalho realizado pelos agentes, os quais se apresentavam despidos de preconceitos, o acesso aos usuários foi tranquilo e informal”, diz Luciane.
Para a profissional da USP, a Cracolândia faz parte da degradação que o centro histórico paulistano sofreu após as décadas de 1950 e 1960, quando foi abandonado pela elite local. “A Cracolândia existe porque os moradores de rua e os usuários dependem do centro para sobreviver. Por isso, a repressão não consegue os expulsar. Sob esta ótica, o local possui uma função social”, argumenta.
Programas mais abrangentes, e que congregam ações integradas para o combate do consumo de crack e reabilitação dos usuários, já existem em São Paulo. No entanto, segundo Luciane, não comportam a demanda. “Estes programas atuais não oferecem o tempo e o suporte necessário para o morador de rua e usuário de crack se adaptar a uma vida estruturada e regrada, o que é fundamental para sua reabilitação”, conclui.
Por Leandro Duarte
arcauniversal.com
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